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Territórios e proteção social pública

Ao participar recentemente do seminário “Territórios, vínculos comunitários e proteção social”, a convite da Prefeitura de Belo Horizonte, fiz a mim mesma a seguinte pergunta: como abordar a complexidade deste tema e, ao mesmo tempo, aprofundar a reflexão sobre a responsabilidade específica da política pública de Assistência Social?

Sabemos que muitos movimentos sociais deixaram o legado do direito à convivência comunitária como marca nas diferentes políticas públicas setoriais, como saúde, educação, assistência social e habitação. O direito à convivência também está nas chamadas políticas transversais como direitos de crianças e adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência.

Portanto, é preciso dizer o óbvio: trabalhar na perspectiva territorial não é exclusividade da proteção social pública da assistência social. Disso resulta a questão: então, qual seria a especificidade da Assistência Social em sua atuação nos territórios?

Havia recentemente revisitado o Museu Inhotim, em Brumadinho (MG) e ainda estava reverberando em mim a obra (instalação e poema) “O Barco” da artista portuguesa com raízes em Angola e São Tomé e Príncipe, que está em exposição lá. Assim, tomei a imagem de um barco, símbolo de um lugar de deslocamento, para iniciar a prosa. E, como a arte tem o poder de ampliar os sentidos e recriar nossa humanidade, destaco este trecho do poema que é particularmente tocante:

[…] Uma dor, uma revolução / Uma revolução, uma igualdade / Uma igualdade, um afeto / Um afeto, a humanidade.

Entre os muitos deslocamentos que a instalação e o poema fizeram em mim, escolhi trazer aquilo que move a proteção pública da Assistência Social, tema do seminário: reparar as injustiças vividas por diversos grupos sociais, como negros, indígenas, mulheres, pessoas trans, idosas e com deficiência, promovendo convívios mais dignos e respeitosos.

A especificidade da proteção da Assistência Social é reconhecer que a vivência das injustiças e da desigualdade social causam dores, limitam o desenvolvimento e sequestram sonhos, especialmente de quem sofre o racismo, o machismo, o capacitismo, etarismo e tantas outras formas de opressão. E essas dores geram resistências cotidianas, singulares e coletivas nos territórios, que precisam ser reconhecidas e valorizadas por trabalhadoras e gestoras públicas.

E mais do que isso: o sofrimento coletivo causado pela desigualdade precisa ser reparado pela ação do Estado porque só o usufruto do direito pode produzir alguma medida de igualdade capaz de restituir a nossa humanidade. Porque o racismo desumaniza pessoas negras e brancas.

A proteção pública da Assistência Social tem o compromisso ético e o dever legal de produzir formas de convívio mais dignas e respeitosas. Sua especificidade está em conhecer e atuar em territórios por onde transitam, cotidianamente, pessoas que resistem às opressões. O rumo desse barco pode e deve ser mudado em direção a um mundo comum onde vale a pena viver junto.

Stela Ferreira, sócia diretora da Vira e Mexe

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