loading

Blog VeM

Intersetorialidade – admiração pela diferença

Tenho me dedicado a compreender mais profundamente a política de Assistência Social e sua atuação no enfrentamento às desproteções relacionais. Ao participar recentemente de um seminário na área de Educação, pude refletir sobre a necessária articulação entre profissionais da Assistência Social e da Educação para o enfrentamento do racismo institucional que permeia as instituições das duas políticas.

Participei do V Seminário Internacional de Gestão Educacional – Recomposição e Avanço das Aprendizagens, promovido pelo Instituto Unibanco , em 28 de agosto. O encontro debateu a recomposição da aprendizagem como uma questão de grande relevância a partir da pandemia, dada a grave defasagem vivenciada por estudantes no Brasil e no mundo.

Na abertura, Ricardo Henriques, superintendente do Instituto, chamou a atenção para um dado alarmante: em 2023, apenas 7% dos concluintes da educação básica apresentavam aprendizado adequado em matemática. Foram apresentados dados e narrados episódios que sustentam essa percepção: crianças e adolescentes negros têm uma aprendizagem 20% menor que os brancos, conforme evidenciado no SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica).

Não pretendo refletir sobre todos os aspectos tratados no seminário, mas gostaria de destacar um ponto que tocou profundamente meus afetos e pensamentos. No evento, tive a oportunidade de ouvir a especialista Cida Bento, doutora em Psicologia pela USP, escritora, co-fundadora e conselheira do CEERT, pesquisadora e eleita uma das 50 pessoas mais influentes do mundo no campo da diversidade pela revista britânica The Economist. Cida Bento ressaltou que a esmagadora maioria dos meninos e meninas negras vivenciam os efeitos do racismo em toda a trajetória escolar. Ouso afirmar que estes efeitos geram prejuízos de aprendizagem ainda mais severos que os provocados pela pandemia, pois persistem há muito mais tempo.

A Profa. Dra. Kátia Schweickardt, secretária nacional de Educação Básica no Ministério da Educação e professora licenciada do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas, relatou que em seus primeiros anos escolares, uma professora comparou seu caderno com o de uma colega branca. Ela lembra que a docente valorizou e elogiou o caderno da menina branca, enquanto que o dela foi ignorado; e concluiu afirmando como essa vivência, embora já tenha sido elaborada, foi marcante como expressão do não valor que lhe foi atribuído.

Neste sentido, recordei-me da “postura de valorização e reconhecimento”, uma estratégia do trabalho social que considera as questões e problemas de uma pessoa como procedentes e legítimos, simplesmente pelo fato de ela ter sido capaz de formulá-los e expressá-los. Essa abordagem está presente na “Concepção de Convivência e Fortalecimento de Vínculos”, publicação do Ministério de Desenvolvimento Social em 2013, desenvolvida por mim e Abigail Torres, que orienta o trabalho social no Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

Pensando nos serviços do SUAS, em que a maioria absoluta da população atendida é negra, uma questão fundamental é: o aprendizado é um tema que integra o diálogo dos profissionais com as famílias, ou com crianças, adolescentes e jovens?

Quanto a interação entre profissionais das políticas de Assistência social e da Educação poderia ampliar a compreensão e enriquecer a formulação de estratégias para o enfrentamento de desigualdades raciais e construção de posicionamentos éticos no reconhecimento, na atribuição de valor e, consequente, admiração pelas pessoas negras?

Admiração que não deve ser motivada apenas por razões específicas, mas simplesmente pela sua existência: por seus sorrisos, suas ideias, o que sabem (e o que ainda não sabem), sua garra. Enfim, uma admiração pela diferença. Assim, reafirmo: a admiração pela diferença enfrenta as desigualdades!

Maria Júlia Azevedo, psicóloga e mestre em Educação, é sócia diretora da Vira e Mexe

Sem tempo pra ler?

Deixe seu email abaixo e receba nossas NOVIDADES

plugins premium WordPress