Em 2025, muitos municípios estão passando por mudanças na composição das equipes de gestão. Nesse contexto, é importante dizer que essas equipes escreverão, junto com outros atores, uma parte da história da política pública sob sua responsabilidade. E como disse o poeta Mário de Andrade,
“o passado é lição para refletir e não para repetir.”
Todas as políticas sociais brasileiras tiveram que lidar com seu passado e suas tradições. Nesse processo, tiveram que definir melhor seu campo de atuação específica, ou seja, sua especialidade setorial. Cito alguns exemplos.
O direito à saúde pública passou por amplos debates e construções coletivas para afirmar que saúde “é o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença.”
O campo da educação pública também mobilizou amplos coletivos para definir que o direito à educação “não se limita à garantia de matrícula em uma escola”, significa assegurar o direito de aprender.
O direito à assistência social passou por debates que resultaram na definição do seu campo específico nomeado como “seguranças” para enfrentar as inseguranças dos cidadãos no campo material (segurança de sobrevivência por meio de benefícios) e no campo das relações sociais marcadas por profundas desigualdades (seguranças de convívio, acolhida e autonomia por meio de serviços, programas e projetos).
Atuando há 20 anos em processos de educação permanente na Assistência Social é forçoso reconhecer a persistência de uma concepção restrita à dimensão da pobreza material. E isso tem consequências danosas porque reproduz um passado sem, necessariamente, refletir sobre ele. Destaco algumas dessas consequências.
Para a gestão municipal, a restrição da Assistência Social à dimensão material retira da pauta política a necessária ampliação do financiamento dos governos estaduais e federal para a implantação e manutenção dos Centros de Referência e os serviços a eles referenciados.
Para as equipes dos serviços, centralizar a atenção na concessão de benefícios materiais vai reduzindo o sentido do próprio trabalho, gerando desmotivação, afastamentos por saúde etc. O trabalho em serviço é um “trabalho vivo em ato” (Merhy, 2002) e, portanto, é centrado na criação de vínculos de reconhecimento e valorização recíprocos entre equipes e usuários/as. Trabalho sem sentido é “trabalho morto”.
Para os cidadãos, restringir a atenção da Assistência Social à entrega de bens materiais mantém uma cultura assistencialista na qual pouco se diferenciam os critérios de concessão público e privado. Como os critérios públicos tendem a ser restritivos e associados a forte controle da vida, para o cidadão muitas vezes é mais fácil acessar um bem material por meio de relações pessoais, religiosas e outros em vez de acessar os serviços públicos a que tem direito.
Para construir uma cultura de cidadania e valorização do trabalho vivo é necessário operar na lógica do que está na Lei Orgânica de Assistência Social:
Artigo 2º. Parágrafo único: Para o enfrentamento da pobreza, a assistência social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, garantindo mínimos sociais e provimento de condições para atender contingências sociais e promovendo a universalização dos direitos sociais.
Artigo 4º: A assistência social rege-se pelos seguintes princípios: I – supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica.
Stela Ferreira, sócia diretora da Vira e Mexe