Por Yheda Gaioli
Políticas públicas são feitas de sonhos, criações e lutas. Confirmamos essa máxima ao escutar Sambas contados, série de podcasts produzidos pelo rapper, cantor e compositor Emicida.
Nesta série, Emicida conta a história do samba em 10 episódios, trazendo personagens importantes que nos ensinam que o samba, uma manifestação cultural essencialmente negra, é uma história de sonhos e resistências para afirmar a cultura de um povo.
No sexto episódio – “O sonho de Dona Ivone Lara” – ele conta a história de Yvonne Lara da Costa, mulher sambista, cantora e compositora. Ela foi a primeira mulher a assinar um samba-enredo, entrando para a ala de compositores da Império Serrano, no Rio de Janeiro. A história contada por Emicida revela um lado pouco conhecido dessa mulher negra pioneira.
Dona Ivone Lara, como ficou popularmente conhecida, foi enfermeira e assistente social. Compôs a equipe da médica psiquiatra Nise da Silveira, que revolucionou o tratamento em saúde mental no país. Numa época em que as pessoas com sofrimentos psíquicos severos eram confinadas em hospitais e submetidas a tratamentos desumanos, Dona Ivone Lara revoluciona o cuidado utilizando instrumentos musicais característicos do samba. Além disso, percorria o estado do Rio de Janeiro na busca pelos familiares dos pacientes para que ambos, paciente e familiares, pudessem conhecer uma versão de suas histórias para além da marca do severo diagnóstico.
É aqui que música, cultura, samba e políticas públicas se misturam. Para mudar modos de fazer o trabalho do cuidado é preciso sonhar com outra prática possível. Nisso, D. Ivone Lara era especialista, afinal, quem não conhece os famosos versos de “Sonho meu?”.
É também na certeza de que as manifestações culturais, artísticas e musicais são ferramentas potentes no cuidado e no desenvolvimento humano, que essa mulher apaixonada por sonhar, participou ativamente da transformação das práticas de cuidado em saúde para pessoas em sofrimento psíquico.
Em uma época em que sonhar parece coisa de quem ainda não acordou para a vida, que possamos nos inspirar em D. Ivone Lara para sonhar e criar práticas de trabalho que tenham centralidade na vida e a dignidade das pessoas. Afinal, quem sonha tem desejo de futuro!