O papel do SUAS na garantia do direito à convivência social

Abigail Torres A tese de doutorado da psicóloga Ana Carolina Valentim (1), analisando sua atuação no Ministério Público em SP, nos anos de 2013 a 2018, atesta como a lógica de manicômio impera onde os pactos legais não chegam e são ignorados. A análise da pesquisadora é baseada em suas visitas às unidades de assistência social e de saúde na sua função de apurar denúncias e fiscalizar o funcionamento. A autora afirma em seu trabalho que essas unidades expressam o violento funcionamento manicomial, sob uma fachada de instituições de cuidado e proteção. Valentim ressalta que para construir uma sociedade sem manicômios [e que respeita o direito à convivência] é necessário que a própria sociedade entenda seus conflitos como parte de si. Essa postura não passa somente pelo tipo de serviço que será ofertado, como também pelas relações que são estabelecidas e que geram a resposta nesses serviços. As violações aos direitos humanos, independentemente do agente causador, exigem intervenção pública para reparação e proteção. Portanto, há atribuições específicas do SUAS na atenção ao cidadão e à cidadã que vive violações geradas por intolerância e crimes de ódio. A proteção social humana é resultante de um conjunto de relações e acessos aos ... Continuar Lendo

Direito à convivência social é uma expressão de direitos humanos

Por Abigail Torres Há tempos temos defendido a direta relação entre proteção de direitos humanos e convivência social como segurança no SUAS. Para nós, essa relação se estabelece ao reconhecer a responsabilidade pública por produzir reparação e proteção a grupos que têm seus direitos violados, por meio do trabalho nos serviços socioassistenciais. O reconhecimento da convivência social como direito é uma afirmação presente em diferentes legislações após a Constituição Federal de 1988. A Carta Magna traz uma direção importante para o trato das relações sociais como objeto de intervenção de políticas públicas ao explicitar a responsabilidade estatal pelo fomento a uma sociabilidade democrática e fortalecedora dos sujeitos, especialmente, ao estabelecer medidas de proteção e de reparação para vítimas de crimes de ódio. Passa então a ser obrigatória a oferta de oportunidade de convivência social protetiva, respeitosa, democrática e promotora do desenvolvimento humano. O que requer, por consequência, a revisão das metodologias de trabalho social desenvolvidas em serviços públicos para que sejam realmente inclusivas. Para tanto é preciso que estejam permeadas e conectadas com as pautas e ações de defesa dos direitos humanos. Dialogar sobre convivência social como um direito requer olhar para a presença histórica de processos de institucionalização, ou ... Continuar Lendo

“Tudo que nós tem é nós” (Emicida) – 20 ideias para melhoria dos serviços do SUAS nos territórios

Talvez nem em seus sonhos mais esperançosos, o rapper e compositor Emicida tenha imaginado que seria a grande inspiração para a capacitação de profissionais da Assistência Social, estimulando a reflexão sobre o trabalho e a proposição de melhorias no fazer cotidiano para atender melhor os usuários, cidadãos e cidadãs dos serviços socioassistenciais. Compartilhamos aqui alguns aprendizados do percurso formativo que a Vira e Mexe conduziu junto às equipes do SUAS em Vitória da Conquista, cidade do interior da Bahia, com cerca de 400 mil habitantes. Conquista, como é conhecida, é um polo de serviços de educação e comércio, que somada ao desenvolvimento industrial, confere ao município um lugar de destaque na economia do estado. Os encontros aconteceram de abril a outubro de 2024 com cerca de 100  trabalhadores, das equipes e da gestão. A formação foi pensada e conduzida por Abigail Torres e Yheda Gaioli da Vira e Mexe. Para iniciar o percurso, as trabalhadoras identificaram os principais desafios para a realização do trabalho social e as facilitadoras da Vira e Mexe construíram um caminho para apoiar as equipes no fortalecimento do trabalho social com famílias e territórios. Ao final, as participantes foram convidadas a refletir sobre os aprendizados construídos ... Continuar Lendo
Oficina de rádio-carta em Belo Horizonte

O que é a metodologia de rádio-carta?

A rádio-carta é um espaço de circulação de vozes e saberes, explica Maria Fernanda Portolani, jornalista popular e educadora do Serviço de Convivência em Santos/ SP e colaboradora da Vira e Mexe. Trata-se de uma metodologia que cria um espaço de produção coletiva de informações que tem como base a comunicação popular e comunitária, fazendo parte de um campo da comunicação social denominado Educomunicação.  A metodologia de rádio-carta foi estudada e difundida por Mario Kaplún, educomunicador, jornalista e escritor argentino, nas décadas de 1970 e 1980 em vários países da América Latina. No Brasil, uma das grandes referências em Comunicação Comunitária é a Profa. Dra. Cicilia M. Krohling Peruzzo, da Universidade Metodista de São Paulo. Neste artigo, ela aborda os principais conceitos da área: http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0122-82852008000200014 A Vira e Mexe experimentou essa metodologia com usuárias e trabalhadoras que participam das Comissões Locais de Assistência Social (CLAS) em Belo Horizonte. Ouça abaixo um episódio da experiência de rádio-carta no qual Maria Fernanda explica um pouco mais sobre a metodologia da carinhosamente denominada “Rádio Mexidão”. ... Continuar Lendo

Participação de usuários com rádio-carta em BH

Há tempos temos feito a defesa da importância da participação de usuários no cotidiano dos serviços do SUAS. Ao analisar a fundo os desafios para informar e mobilizar cidadãos usuários nos processos de conferência, por exemplo, percebemos que a participação tem sido um dos maiores desafios no cotidiano dos serviços do SUAS. Em Belo Horizonte, entre janeiro e março, realizamos um percurso de Educação Permanente que demonstrou a potência da participação direta de usuários na dinâmica e organização dos serviços do SUAS, por meio das Comissões Locais de Assistência Social (CLAS) e dos Conselhos Regionais de Assistência Social. O artigo “Participação como foco de aprendizagem na educação permanente no Sistema Único de Assistência Social, de autoria de Abigail Torres e Stela Ferreira (clique no nome do artigo para acessar) foi a referência de reflexão coletiva das usuárias, trabalhadoras e gestoras sobre os desafios da participação em cada Comissão Local e Conselho Regional. Entre as mais de 50 CLAS, dois desafios ficaram mais evidentes: como informar as pessoas para que elas tenham interesse em participar? Como mobilizar mais usuários para os espaços participativos nos serviços? Esses desafios evidenciam algo que notamos em vários municípios por onde temos realizado processos de supervisão ... Continuar Lendo

Participação social e autonomia

Em outubro, a Vira e Mexe participou da 2ª Semana da SUAS de Jundiaí, uma iniciativa da gestão municipal que promoveu reflexões teóricas e práticas com as equipes dos serviços diretos e, este ano, mobilizou também das organizações sociais parceiras. O foco da exposição de Abigail Torres e Stela Ferreira, sócias diretoras da Vira e Mexe, foi demonstrar a conexão entre a participação social e o exercício de autonomia, compreendida como uma construção social e coletiva. Elas explicaram que a autonomia está na Tipificação Nacional dos Serviços como uma segurança vinculada aos resultados do trabalho social nos serviços. Por isso, ela é herdeira das concepções formuladas no campo da luta antimanicomial, entre outras lutas, que compreende que é mais autônomo o sujeito que tem uma rede de apoio ampliada e pode escolher de quais relações pode e quer depender. “Os níveis de autonomia, assim como o exercício da participação, dependem do acesso à informação e da vivência de oportunidades para fazer escolhas para si e para o coletivo ao qual pertence e poder vivê-las com apoio de relações sociais que protegem e respeitam sua dignidade” afirmaram no encontro. ... Continuar Lendo

Balanço das conferências municipais 2023

Após participar de quase 20 conferências municipais em cidades de portes distintos no sudeste e nordeste do país, reafirmamos nossa percepção sobre a urgência de mudanças nos rituais dos espaços de participação no SUAS. Essa pauta para nós, da Vira e Mexe, é bem antiga. Há anos temos estimulado as equipes a criar e produzir espaços preparatórios de conferências utilizando linguagem acessível e assegurando o predomínio de fala de cidadãs e cidadãos em detrimento de fala de autoridades e de técnicos/as. Sobretudo, fazendo boas perguntas que permitam a narrativa do cotidiano em suas dores e resistências, propiciando que o debate central das conferências seja pautado pela escuta e avaliação dos serviços e das demandas e propostas das pessoas para quem os serviços foram propostos. Estamos longe dessa vivência. Há reuniões, encontros e congressos voltados a gestores/as e trabalhadores/as, nos quais se analisa o financiamento, as relações intergovernamentais, as articulações com outras políticas públicas e entre os serviços do SUAS, os desafios da profissionalização das equipes e a relação com organizações sociais. São múltiplos espaços em que são analisados os desafios da gestão, nem sempre associando à ampliação de acesso a direitos de usuários e usuárias. Esses debates são necessários, dada ... Continuar Lendo

Eixos temáticos devem apontar para a reconstrução do SUAS

Neste ciclo de Conferências de 2023, o foco principal indicado pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) é a “reconstrução do SUAS”. Para nós da Vira e Mexe, a reconstrução passa, necessariamente, pela análise da realidade conjuntural do SUAS neste momento de crise social agravada pela pandemia. Esse mergulho no real cria novas possibilidades para os debates sobre os eixos da conferência, invertendo o que se tem feito nos debates em conferências. Nossa premissa é que para analisar uma política pública é necessário reconhecer o impacto de sua presença na vida das pessoas, que se expressa no alcance, ou não, de suas finalidades. Para isso, é necessário tornar visível todas as demandas não atendidas, quer seja pela falta de acesso das pessoas aos seus direitos, quer seja pela baixa qualidade da atenção a quem acessou os serviços e benefícios públicos. E quando atentamos para demandas não atendidas ou dificuldades de acesso, é importante ressaltar que quem tem maior capacidade de falar a respeito é, justamente, o cidadão e a cidadã que está vivendo injustiças e desigualdades. Deste modo, para nós, os eixos propostos pelo CNAS são uma direção porque trazem elementos que estruturam a gestão do SUAS – financiamento, controle ... Continuar Lendo

Pré-conferências dão sustentação à conferência municipal

Em maio, a Vira e Mexe assessorou a realização da Conferência Municipal de Assistência Social de Valparaíso, município do interior de São Paulo, na região de Araçatuba. Abigail Torres, sócia diretora, fez a fala de abertura da conferência e apoiou o trabalho dos grupos. “A experiência de Valparaíso merece destaque especialmente por ter favorecido uma maior participação ativa de usuários e usuárias nos espaços de controle social”, ressaltou. Os usuários somavam cerca de 30% do total de participantes da conferência de Valparaíso. Silvia Renata, secretária executiva do Conselho Municipal da Assistência Social, conta que foram realizadas quatro pré-conferências no município, das quais uma foi exclusivamente com usuários e usuárias dos serviços. Nestes encontros preparatórios, as pessoas participantes avaliaram o SUAS na cidade e levantaram propostas dos usuários para fazer avançar a proteção. Já na abertura da conferência, os diálogos foram iniciados com vídeos-depoimentos de usuárias e usuários sobre os impactos em suas vidas ao serem incluídos em serviços e benefícios socioassistenciais. Estes depoimentos haviam sido coletados previamente por diferentes agentes e conselheiros/as do SUAS do município. Num plenário com vários adolescentes, mulheres e idosos, a conferência municipal de Valparaíso teve espaços para trabalhos em grupos facilitados pelas equipes que estimularam ... Continuar Lendo

O que são as pré-conferências do SUAS?

As pré-conferências, como o nome sugere, são encontros realizados nos espaços dos serviços do SUAS como forma de escutar, preparar e mobilizar os usuários e trabalhadores para a participação nas conferências municipais. De acordo com a legislação, a cada dois é realizado o ciclo de conferências na Assistência Social, iniciando pelos municípios, seguido nos estados, Distrito Federal e culminando na conferência nacional. Esse ciclo tem por objetivo avaliar as ações e atualizar o planejamento da política de Assistência Social de forma participativa, ouvindo diferentes grupos da sociedade. Em geral, o Conselho Nacional de Assistência Social orienta os eixos ou temas do ciclo de conferências para organizar as propostas que vão “subindo” desde a conferência municipal até chegar na conferência nacional. Esses temas de relevância nacional cumprem a função de organizar as propostas, visto que são mais de 5.500 municípios realizando a conferência no mesmo período. No entanto, os temas não devem engessar os debates e os diálogos nas conferências municipais, pois o que tem mais valor nesse processo participativo é criar condições para que diferentes grupos da sociedade possam se informar, avaliar e propor formas de enfrentar os desafios concretos e cotidianos do SUAS. O registro dessas propostas é que ... Continuar Lendo