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SUAS na superação das desproteções sociais

Abigail Torres

Fui convidada para falar no painel principal do XXII Encontro Regional Congemas – Sudeste, em Atibaia (SP), que teve a participação de mais de 600 representantes de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais. O tema do encontro foi “O futuro da Assistência Social no Brasil: compromissos dos governos na superação da fome e das desproteções sociais”.

Vislumbrar uma perspectiva de futuro não pode estar associada à uma ação emergencial e sim à uma escolha de direção sobre qual será o projeto do SUAS para os próximos anos.

Neste período de pandemia a distribuição de cestas básicas e de auxílio alimentação absorveu o trabalho das equipes da proteção básica, mas essa ação não responde ao direito à segurança alimentar, é uma ação paliativa, um quebra-galho emergencial.

A questão é: Vamos continuar fazendo um quebra-galho ao priorizar a entrega de cestas básicas ou vamos assumir o que é nossa responsabilidade? 

Assim, falar do futuro da Assistência Social atrelado à superação da fome exige um sério debate. Somente entregar cesta básica não é suficiente. A intervenção que o SUAS está fazendo no momento não pode ser entendida como combate à fome porque isso se faz com políticas de enfrentamento à insegurança alimentar. 

Se o futuro da Assistência Social está no combate à fome, é necessário qualificar essa intervenção e incorporar na política do SUAS o debate sobre a implementação do Sisan, sistema de gestão participativa e de articulação entre os três níveis de governo e sociedade civil para a implementação e execução das Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional.

Trata-se de uma lei de 2006 que envolve desde agricultura familiar, merenda escolar, hortas comunitárias, nutrição de grupos específicos como grávidas, puérperas, crianças com baixo índice nutricional, pessoas negras com anemia falciforme e idosos, até a discussão sobre agrotóxicos. Exige a atuação técnica e especializada de um conjunto de profissionais como nutrólogos, nutricionistas, engenheiros agrônomos, entre outros, cuja atuação articulada visa à garantia de alimentação saudável comprovada por padrões científicos.

Desproteções sociais

Nesse momento de intensificação das desigualdades no Brasil é fundamental olhar para além das cestas básicas e chamar a atenção para o segundo ponto enunciado no tema do encontro: as desproteções sociais. Dentro deste termo desproteções sociais há um amplo espectro de questões a serem debatidas e que são a pauta dos serviços.

A política nacional de 2004 afirma que os usuários/as do SUAS são famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos, de afetividade, de pertencimento e sociabilidade. Com ciclos de vida e identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual e/ou desvantagem pessoal resultante de deficiências, exclusão pela pobreza e/ou acesso às demais políticas públicas; que fazem uso de substâncias psicoativas; sofrem diferentes formas de violência advindas do núcleo familiar, grupos e indivíduos; com inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho formal ou informal; com estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência, que podem representar risco pessoal ou social.

O marco situacional da política da Assistência Social de 2004 afirma que “a desigualdade brasileira tem como instrumento, naturalizar e invisibilizar as vivências das pessoas.” Assim, um passo fundamental é tornar essa realidade visível e desenvolver a capacidade de traduzir para o Estado e para a sociedade o que é a desigualdade no Brasil.

O SUAS é um pacto revolucionário para a sociedade brasileira para enfrentar as desigualdades históricas. É uma política de proteção social fruto de muita luta e com base em experiências reais que estavam acontecendo nos municípios naquele momento. Não podemos reduzir esse pacto e sim fortalecê-lo. É uma escolha política, ética, histórica que precisamos fazer neste momento. Não dá para pensar no futuro sem olhar para este passado que estamos ignorando porque não conhecemos ou estamos nos sentindo frágeis para mantê-lo.

Os efeitos da pandemia

Essa fragilidade do SUAS foi evidenciada na pandemia na mesma proporção em que a desigualdade foi intensificada. Quem chamou a atenção para o aumento de violência contra a mulher foram as delegadas de polícia; quem revelou as violências contra as crianças foi a imprensa; quem denunciou o racismo foi o movimento social. Os trabalhadores do SUAS não foram consultados e não se apresentaram como autoridade nestas discussões.

A mãe do Miguel foi atendida pela Assistência social? As mulheres que estão sendo libertadas do regime de escravidão estão sendo acolhidas pelos serviços? As famílias dos beneficiários do BPC que morreram durante a pandemia estão sendo atendidas? Estamos acolhendo estas famílias em luto?

Os dados apontam que as mulheres negras foram as que mais morreram na pandemia, um efeito em cadeia, na medida em que elas são as cuidadoras da família. Assim, perdemos as cuidadoras dos mais velhos e dos mais novos. As mortes das mulheres produziram uma geração de órfãos. 

Como estamos cuidando do sofrimento decorrente da pandemia? Tem gente que perdeu todas as referências. É dessa realidade que precisamos falar, tornar visível e enfrentar. Não é para dar conta individualmente, mas mobilizar o conjunto de serviços e políticas públicas de proteção social.

É para enfrentar esse nível de desigualdade que o SUAS aposta no trabalho dos serviços que podem oferecer proteção e segurança ao criar outras formas de relação mais respeitosas, ao acolher pessoas em sofrimento, ao estar ao seu lado acompanhando, orientando, enfim se fazendo presente. E é também assegurando a autonomia das pessoas, sua perspectiva, respeitando sua trajetória, que o SUAS consegue contribuir com o combate a desigualdade.

O SUAS é uma política de Estado para combater a desigualdade produzida nesta que é uma das sociedades mais desiguais do mundo. Precisamos ser especialistas em produzir relações que expressam proteção e respeito, o que exige também sermos especialistas em identificar expressões de desigualdade para enfrentá-las. Portanto, ao falar do futuro do SUAS precisamos debater a qualidade dos serviços oferecidos que devem ser referência em proteção social, cuidado e acolhimento. 

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