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Trabalho Profissional: responsabilidade de proteção nos serviços socioassistenciais

Resumo

As reflexões deste artigo resultam de mais de uma década de dedicação das autoras à pesquisa, estudos e diálogos estabelecidos nos processos de educação permanente que desenvolvem com equipes de referência dos serviços e da gestão do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), sobretudo, em municípios das regiões Sudeste e Sul. Apontam elementos estratégicos para o avanço da qualificação do trabalho social no SUAS, para que cidadãos e cidadãs usufruam da Proteção de Assistência Social, em sua dimensão relacional expressa nas seguranças de convivência, acolhida e autonomia. Tratam da desigualdade social como demanda para o SUAS e apontam vínculos sociais como expressão de reconhecimento e proteção decorrente da atuação das equipes. Objetivam ampliar as certezas sobre os compromissos e responsabilidades de proteção que justificam que o coletivo da sociedade financie e defenda a ampliação do SUAS.

Palavras-chave

Assistência Social; Desigualdade; Proteção Social; Reconhecimento Público.

Professional work: protection responsibility in social assistance services

Abstract

The reflections of this article result from more than a decade of dedication by the authors to the research, studies and dialogues established in the processes of permanent education that they develop with reference teams of the services and the management of Single System of Social Assistance (SUAS), mainly in municipalities of the Southeast and South regions. They point out strategic elements for advancing the qualification of social work in SUAS, so that citizens enjoy the Protection of Social Assistance, in its relational dimension expressed in the security of coexistence, acceptance and autonomy. They deal with social inequality as a demand for SUAS and point to social bonds as an expression of recognition and protection resulting from the teams’ performance. The objective is to increase the certainties about the commitments and responsibilities of protection that justify that the collective of the society finance and defend the expansion of the SUAS.

Keywords

Social Assistance; Inequality; Social Protection; Public Recognition.

Para começar a conversa

Nossa opção ética, política e teórica de sustentar as reflexões sobre o trabalho social a partir dos desafios cotidianos enunciados pelas equipes (FERREIRA, 2015; BRASIL, 2013b) tem reafirmado a relevância de aprofundar um eixo estruturante do projeto político-institucional do Sistema Único de Assistência Social (SUAS): a direção de profissionalização e qualificação do trabalho social, tanto na atenção direta aos cidadãos, quanto nas funções de gestão. E para que a qualificação do trabalho social seja reconhecida como dimensão estratégica e não tomada como um fim em si mesma é necessário, de partida, ter clareza de três afirmações.

A primeira delas é que todas as políticas públicas que profissionalizaram seus processos de trabalho lidaram com um legado próprio ao seu campo de intervenção. Na assistência social, com base em reconhecida literatura (MESTRINER, 2011; SPOSATI, 2007, 2013, 2018), podemos afirmar que nos anos 2000 ainda convivemos com um forte legado de práticas marcadas pelo clientelismo político, amalgamados à benesse e caridade. Associam-se a essas práticas a reprodução do senso comum na leitura da realidade e das desigualdades vividas pelos cidadãos, não raro, sobrepostas por valores morais e religiosos dos agentes institucionais. Como consequência, atualizam-se hoje antigas propostas de ações eventuais e sem continuidade, interpretando desigualdades estruturais da sociedade brasileira como “casos individuais”. Nesse ambiente, associa-se ainda a pouca valorização de estudos e do conhecimento científico e a supervalorização de prescrições e “receitas metodológicas”.

A segunda afirmação trata da concepção de proteção social de assistência social com seu campo específico de responsabilidade pública ante às desigualdades sociais e desproteções geradas pela própria ação ou omissão do Estado. Afirmação em disputa desde a Constituição Federal de 1988 ganhou voz e letra mais intensa a partir de 2004. Sposati e Paz (2013) a sintetizaram numa publicação de referência e estudo para profissionais da área[1] na qual afirmam que a singularidade da proteção social de assistência social significa:

• ampliar a capacidade protetiva da família e de seus membros, o que supõe construir respostas desde a ausência dessa proteção, a presença de abandono, de agressões, produzindo ações de fortalecimento de laços e de capacidade de exercício dessa proteção que insere quer benefícios como serviços;

• ampliar a densidade das relações de convívio e sociabilidade dos cidadãos desde a esfera do cotidiano até atingir os diversos momentos do ciclo de vida do cidadão e cidadã em que ocorrem fragilidades que os tornam mais sujeitos a riscos sociais e a violação de sua dignidade;

• instalar condições de acolhida e processos de acolhimento como parte do trabalho de atenção e cuidados;

• reduzir as fragilidades da vivência e da sobrevivência, através de meios capacitadores da autonomia, das condições de dignidade humana, provocados inclusive pela ausência de renda em uma sociedade de mercado;

• reduzir e restaurar os danos de riscos sociais e de vitimizações causadas por violência, agressões, discriminações, preconceitos. (BRASIL, 2013c, p.36).

A terceira afirmação, decorrente da anterior, vincula o direito dos cidadãos à profissionalização e qualificação das equipes. O Decálogo dos Direitos Socioassistenciais assim reconhece:

5º Direito do usuário: direito à acessibilidade, qualidade e continuidade: à escuta, ao acolhimento, ser protagonista na construção de respostas dignas, claras e elucidativas ofertadas por serviços de ação continuada, localizados próximos à sua moradia, operados por profissionais qualificados, capacitados e permanentes, em espaços com infraestrutura adequada e acessibilidade, que garantam atendimento privativo, inclusive, para os usuários com deficiência e idosos. (CNAS, 2005)

Essas três afirmações são pontos de partida para a sequência desse artigo, que sistematiza a abordagem que adotamos nos processos de educação permanente. Um potente antídoto para enfrentar a herança de não-direito dos “carentes” ainda presente na assistência social, nos parece ser a profissionalização e qualificação do trabalho social nos serviços socioassistenciais[2]. Obviamente, essa não é a única medida a ser adotada, mas a aposta que fazemos é que se o trabalho produzir os resultados esperados para cidadãs e cidadãos, estabeleceremos uma outra cultura institucional, capaz de assegurar um debate mais coletivo sobre as responsabilidades de proteção social do Estado e sobre o necessário investimento coletivo para garantir essa proteção[3].

Nesse sentido, concomitante a outras lutas e desafios postos para a consolidação da assistência social como dever de Estado e direito do cidadão, a qualificação do trabalho social remete à três dimensões centrais:

  1. a compreensão de qual é a natureza e o conteúdo do trabalho;
  2. o desenvolvimento de metodologias para lidar com esse conteúdo e;
  3. a clareza dos resultados que devem ser alcançados para corresponder ao pacto público e coletivo de proteção social pública inscrito em seu campo legal e normativo derivado dos princípios e diretrizes constitucionais e da Política Nacional de Assistência Social de 2004.

Os processos de educação permanente no SUAS visam contribuir para a construção de uma cultura institucional condizente à lógica do direito, propondo diálogos, alinhamentos e (re)organização dos processos de trabalho das (e entre) as equipes em torno dos resultados a serem alcançados com os cidadãos. Alinhadas a essa concepção, advogamos que a qualificação e a profissionalização do trabalho em política pública se desenvolvem a partir de um ciclo virtuoso, capaz de gerar aprendizados coletivos desde que seja planejado, registrado, analisado e avaliado pelas equipes e pelos próprios usuários.

Em nossas intervenções nessa área propomos que os processos de trabalho das equipes passem a conectar, de forma intencional e planejada, as seguranças socioassistenciais afirmadas na Política Nacional de Assistência Social (PNAS/2004) e na Tipificação Nacional dos Serviços (acolhida, convivência, autonomia e sobrevivência) e as funções reconhecidas na Lei nº 12.435, de 2011 (vigilância socioterritorial, proteção social e defesa institucional).

Nessa abordagem temos induzido a conexão entre conteúdos que orientam o trabalho no SUAS e que, em interpretações mais correntes, têm sido interpretados de forma fragmentada ou desconectada. Nosso entendimento é que tal fragmentação impacta negativamente a organização e análise dos processos de trabalho e, consequentemente, nos resultados de proteção social devidos aos cidadãos.

A seguir sistematizamos a abordagem que temos proposto nos processos de educação permanente visando qualificar o trabalho social a partir de três perguntas: a quem se dirige a proteção socioassistencial? De que modos é possível qualificar o trabalho social nos serviços socioassistenciais? Quais resultados esses serviços devem prover aos cidadãos?

A quem se dirige a proteção socioassistencial

Os processos de trabalho profissionalizados e qualificados na assistência social, assim como em outras políticas públicas, partem do reconhecimento coletivo de sua demanda, ou seja, a definição no campo ético e jurídico do conteúdo próprio de intervenção e responsabilidade das equipes dentro da estrutura estatal.

No marco situacional da PNAS, em 2004, já se reconhecia que as situações para as quais a assistência social deve produzir respostas têm duas naturezas distintas: material e não material. As demandas de natureza material são, via de regra, de maior visibilidade, uma vez que são baseadas em critérios de renda. Nesse aspecto o debate político se centra, desde a construção da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), nos padrões de dignidade humana que referenciam a concessão dos benefícios materiais (GOMES, 1999; BOSCHETTI, 2006; SPOSATI, 2007; ZAVAN, 2017; BOVOLENTA, 2017).

Já as demandas de natureza não material são, em larga medida, pouco visíveis para a sociedade devido ao processo de naturalização das desigualdades e violências vividas pela população. Os padrões de reconhecimento das demandas não materiais são dependentes das lutas sociais por novos padrões de civilidade e sociabilidade. Tal constatação já indicava, em 2004, que o avanço da proteção social implicaria desenvolver estratégias para melhor conhecer as situações que fragilizam os vínculos sociais, tais como as diversas formas de violência, sua incidência e os impactos nas trajetórias de vida cidadãos e grupos sociais.

No aprofundamento teórico sobre a convivência social como segurança socioassistencial (BRASIL, 2013a), buscou-se configurar as desproteções que se produzem e reproduzem na esfera familiar, nos serviços públicos e nos territórios de vivência dos cidadãos (TORRES, 2016). Nesse sentido, vasta literatura nacional analisa a construção histórica da nossa “subcidadania” e dos padrões violentos de sociabilidade à brasileira (CHAUÍ, 1994; KOWARICK, 2009; SOUZA, 2011; entre outros).

Vivemos numa sociedade verticalizada e hierarquizada na qual as relações sociais são sempre realizadas ou sob a forma da cumplicidade (quando os sujeitos sociais se reconhecem como iguais), ou sob a forma do mando e da obediência entre um superior e um inferior (quando os sujeitos sociais são percebidos como diferentes, a diferença sendo vista como desigualdade). […] A forma autoritária da relação é mascarada por aquilo mesmo que a realiza e conserva: as relações de favor, tutela e clientela.

A polarização social se estabelece entre o polo da carência absoluta e o polo do privilégio absoluto. Uma carência é sempre específica e particular, não conseguindo generalizar-se num interesse comum nem universalizar-se num direito sem deixar de ser privilégio. Um privilégio é sempre particular e específico, não pode generalizar-se num interesse comum nem universalizar-se num direito sem deixar de ser um privilégio. (CHAUÍ, 1994, p.27).

Portanto, para reconhecer as demandas de proteção na área da assistência social é fundamental enfrentar essa perversa tradição que culpabiliza as pessoas pelas injustiças e violações a que estão submetidas cotidianamente. Implica, de partida, reconhecer a referência pública do direito do cidadão e o não julgamento particular do profissional a partir “do caso”. Ainda que as situações de desproteção cheguem às equipes em sua expressão mais singular, é fundamental desenvolver métodos e técnicas para conhecer sua incidência na sociedade em geral e nos territórios de vivência em particular. Assim, a qualificação da intervenção está associada ao conhecimento das múltiplas causas e dos complexos efeitos das faces da desigualdade social a serem enfrentadas, sejam elas de natureza material ou imaterial.

Nesse entendimento, a demanda de proteção no SUAS não é a “queixa que um indivíduo apresenta no balcão”. A demanda é, antes de tudo, uma construção social e política resultante do domínio dos profissionais sobre o conteúdo e as responsabilidades próprias da política pública da assistência social. A demanda é, digamos, a traduz das vivências de sofrimento gerado pelas desigualdades para dentro da estrutura e responsabilidade do Estado. Desse modo, a construção da demanda é também a produção de conhecimento dos trabalhadores sobre a violências e violações ocultadas por dispositivos de poder. Assim, temos proposto nos processos de educação permanente que a conexão entre as funções de proteção social e vigilância socioassistencial seja cada vez mais clara e intencional nos processos de trabalho, uma vez que:

O diagnóstico socioterritorial nessa perspectiva da temporalidade se constitui em uma continuidade, mais do que um ponto de partida. Sua principal característica passa a ser a incompletude por excelência, pois necessita a todo momento estar aberto à dinâmica da realidade, dos territórios de vivência a que se propõe compreender e não somente descrever. (BRASIL, 2013d, p. 73-74).

Para adensar a construção a respeito das demandas não materiais próprias dos serviços socioassistenciais, temos nos aprofundado na produção de diferentes áreas do conhecimento. O conceito do sofrimento ético-político construído por Sawaia (2004) tem sido fértil para o aprofundamento da dimensão não material do trabalho na assistência social.

O sofrimento ético-político abrange as múltiplas afecções do corpo e da alma que mutilam a vida de diferentes formas. Qualifica-se pela maneira como sou tratada e trato o outro na intersubjetividade, face a face ou anônima, cuja dinâmica, conteúdo e qualidade são determinados pela organização social. Portanto, o sofrimento ético-político retrata a vivência cotidiana das questões sociais dominantes em cada época histórica, especialmente a dor que surge da situação social de ser tratado como inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da sociedade. Ele revela a tonalidade ética da vivência cotidiana da desigualdade social, da negação imposta socialmente às possibilidades da maioria apropriar-se da produção material, cultural e social de sua época, de se movimentar no espaço público e de expressar desejo e afeto. (SAWAIA, 2004, p.105).

Nessa esteira ao reconhecer expressões de subordinação e desigualdade e seus impactos nos sujeitos e coletivos que as vivenciam, construímos no âmbito do SUAS um rol de situações nomeadas como desproteção relacional. A perspectiva desse estudo foi oferecer conceitos-ferramenta que contribuam para criar um vocabulário comum entre as equipes a respeito dos diferentes tipos e gradações de desproteção com as quais os serviços de assistência social devem lidar. Assim, denominamos, situações de abandono, conflitos, isolamento, confinamento, apartação, preconceito, violência em suas diversas manifestações, como situação de vulnerabilidade/desproteção relacional[4].

Modos de qualificar os processos de trabalho com demandas não materiais dos serviços socioassistenciais

A função precípua de proteção social de assistência social, quando profissionalizada, se materializa na adoção de métodos e técnicas fundamentados em conhecimentos prévios – e multidisciplinares – dos profissionais, somados aos conhecimentos sistematizados de sua atuação coletiva e contextualizada. Requer também o desenvolvimento de metodologias diversificadas e compatíveis com a gravidade e a incidência dos problemas a serem enfrentados. Para ser uma política profissionalizada de proteção social é fundamental que seus profissionais sejam “especialistas” e conhecedores das desproteções sociais. É necessário façam outras perguntas, capazes de produzir outros de conhecimentos sobre a realidade em que atuam.

Considerando que a desigualdade social não se expressa exclusivamente no injusto e indigno acesso à renda, mas também no desigual acesso aos bens imateriais, simbólicos e nos recursos de poder, um dos modos de qualificar o trabalho na assistência social é articular a concessão dos benefícios materiais ao acesso aos serviços socioassistenciais. Por isso, a qualificação do trabalho no SUAS requer a conexão entre as seguranças de sobrevivência, acolhida, convivência e autonomia. Essa compreensão passa pelo desafio de transpor uma lógica restritiva das necessidades à dimensão econômica, presente em muitos agentes institucionais, e reconhecer que a desproteção se agrava quando se sobrepõem as dimensões econômicas, simbólicas e políticas na trajetória dos cidadãos, particularmente negros, mulheres, população LGBTT, indígenas e povos tradicionais.

Nos diálogos que temos estabelecido com as equipes do SUAS nos processos de educação permanente estimulamos a formulação de novas perguntas para que sofrimentos invisíveis – e considerados naturais até mesmo por quem os vive – se tornem objeto de conhecimento do coletivo na assistência social. Para além de informações cadastrais, tais como renda familiar, condição de trabalho e composição familiar, é necessário formular perguntas para conhecer essas informações “objetivas” na dinâmica familiar e territorial dos cidadãos.

Ao sistematizar dados de pesquisa quanti e qualitativa, Sposati (2013)[5] evidenciou, por exemplo, o quão necessário é saber a razão entre provedores e dependentes das famílias para dimensionar a demanda de proteção por benefícios e serviços socioassistenciais. Para além da renda per capita, é necessário conhecer a “razão de dependência da família, marcada por maior número de dependentes por provedor associada a baixa remuneração e inconstância do trabalho do provedor”; ou “presença de idoso na família que demanda cuidados sem acesso a apoios de serviços de cuidadores ofertados pela política pública”, apenas para citar dois exemplos (BRASIL, 2013c, p.30).

Entendemos que o modo de conhecer a realidade e as perguntas que orientam a intervenção das equipes são, por si, uma intervenção. Perguntas podem (e devem) deslocar lugares cristalizados do “pobre”, da “negligente” e todas as formas pseudocientíficas de rotulação e estigmatização dos cidadãos que demandam proteção da assistência social. Fazer novas perguntas, para ouvir outras narrativas que os sujeitos fazem de si, dos seus limites e das suas possibilidades é uma forma de acolhida em referências mais humanizadas. Essa postura desestabilizadora, curiosa e responsável com o sofrimento ético-político do cidadão é das formas mais potentes para criar e sustentar vínculos de confiança entre as equipes e os cidadãos. Ao mesmo tempo, obriga olhar o que a sociedade (re)produz, e ao mesmo tempo esconde e silencia. São escolhas e modos de intervenção que, no ato em si de proteger indivíduos e grupos que vivem as desproteções em suas trajetórias individuais e coletivas, traduzem a função de proteção social stricto sensu, ou seja, protege quem as vive.

A função de proteção social tem também uma dimensão “transgressora”. À medida que se constroem referências e vínculos de proteção dos cidadãos com os serviços – ou dos serviços com outras instituições – outras desproteções vão se tornando visíveis. Ao desnaturalizar as desproteções para os cidadãos e para os próprios agentes institucionais, o trabalho social também tem o potencial de desenvolver a função de defesa institucional, posto que novas situações se tornam visíveis, induzindo a ampliação de compromissos com a patamares mais justos e universais de proteção social no Brasil.

A função de defesa de direitos no SUAS é, nesse sentido, uma inovação necessária, pois requer a construção de métodos para dar visibilidade e combater a reprodução estrutural e silenciosa das desigualdades sociais. Combater subalternização exige debates políticos e técnicos que não legitimem desqualificações, mas desvelem processos que as constroem e sustentam, esse é um debate necessário na assistência social para que se explicite a direção de proteção como responsabilidade pública coletiva por vivências de sofrimento que são produzidas coletivamente.

Quais resultados essa política deve prover aos cidadãos?

Quando se fala de impactos e resultados da Assistência Social, nos parece fundamental retomar o que estabelece a PNAS/2004 que esse resultado se expressa em segurança material por meio de benefícios; e segurança relacional (convivência, acolhida e autonomia) por meio do trabalho social nos serviços.

Ao olharmos para as desigualdades relacionais e a produção de subalternidade, como vimos, reconhecemos que determinados modos de relação social reproduzem padrões de desigualdade e geram situações de desproteção social. De outro lado, porém, é também fundamental reconhecer que outros modos de relação social podem construir padrões de sociabilidade mais dignos e igualitários e, portanto, gerar situações de maior proteção social. Essa visão parte da premissa de que cidadãos valorizados e reconhecidos em suas potencialidades são mais capazes de conquistar, gradativamente, maiores graus de desenvolvimento humano e autonomia. Por isso, intervir nos modos de relação social para combater e superar padrões de desigualdade socialmente construídos (de gênero, raça, geracional etc.) por meio da construção de oportunidades de experimentar outras formas de relação é a transformação esperada do trabalho social na assistência social.

O reconhecimento da natureza contraditória das relações, permite afirmar que o que é produzido por relações, só pode ser combatido pela vivência de outras relações, ou seja, só se combate subalternidade produzindo horizontalidade nas formas de tratamento entre as pessoas, só se combate violências por meio de relações que lidem com conflitos a partir de diálogos e por meio de relações que respeitam a diferença e ainda o desejo das pessoas de terem sua singularidade. Assim, modos de relação que geram reconhecimento e valorização são nominados como vínculos de proteção. De modo que, os resultados esperados do trabalho social nos serviços socioassistenciais são vínculos fortalecidos.

A partir do diálogo da Teoria dos Vínculos, de Serge Paugam (2008), com a Teoria do Reconhecimento, de Axel Honneth (2009)[6], identificamos três modalidades de vínculos: os vínculos familiares/afetivos, que geram a autoconfiança como padrão de reconhecimento, vínculos com as equipes dos serviços públicos, dos quais decorrem o sentimento de autoreconhecimento, e os vínculos nos territórios, que na elaboração de Honneth produzem a estima social, como padrão de reconhecimento. Esses vínculos sociais são complementares entre si, por isso, a proteção social do SUAS afirma: quanto mais diversificados os vínculos que os cidadãos tiverem e quanto mais eles forem sustentados no tempo, mais protegidas as pessoas estarão. A diversidade e sustentação dos vínculos de proteção cria condições para que os cidadãos possam afirmar desejos, projetos e usufruir de oportunidades de fazer escolhas para si e para os coletivos a que pertence.

Do ponto de vista do trabalho profissional, reconhecer as modalidades de vínculos leva a afirmar que são necessárias diferentes estratégias metodológicas a depender de quais vínculos se pretende fortalecer. Ao mesmo tempo, é imprescindível que, em todas as situações de trabalho, as escolhas priorizem metodologias participativas que fomentem o controle social pela participação efetiva de usuárias e usuários no planejamento e na execução das ações propostas, sejam elas com indivíduos, grupos ou coletivos territoriais mais amplos.

O diálogo sobre relações e sobre a atuação profissional com elas se assenta numa compreensão que pressupõe um Estado mais alargado, presente na produção da vida social com qualidade e reconhecimento cidadão. Reconhecimento que segundo um amplo leque de autores se constitui em necessidade humana[7]. Não se trata de um controle da vida por parte do Estado, mas sim de uma postura protetora que, ante a violação e direitos, se coloca como agente ativo no combate a violação e na proteção das vítimas, sem Estado, não é possível que essa proteção seja assegurada pelos cidadãos e cidadãs.

Afirma ainda Axel Honneth que as relações sociais produzem mais do que sobrevivência e preservação da vida física, na medida em que incluem reconhecimento e proteção. Reconhecimento tem a ver com quem somos, mas também como somos vistos, ouvidos e valorizados pelas pessoas com quem convivemos todos os dias e/ou esporadicamente em todos os lugares sociais em que circulamos. “Assim, o devido reconhecimento não seria uma mera cortesia que devemos conceder às pessoas, mas sim uma necessidade humana vital” (PIZZIO, 2008, p.82).

Vejamos então, que mobilização de conteúdos o diálogo sobre vínculos traz para os resultados do trabalho profissional no SUAS.

Atuando com relações na cidade e nos territórios

As cidades são desiguais. Reproduzem mecanismos objetivos e simbólicos de restrição e/ou interdição de acesso a determinados territórios para muitos cidadãos. Isso confronta com o direito das pessoas circularem pela cidade, de poderem afirmar seus hábitos, seus modos de ser e de ver o mundo, sua forma de vestir-se, sua expressão religiosa, enfim, as pessoas têm direito e desejam ser respeitadas e valorizadas em sua diversidade.

Para Axel Honneth, essa valorização se expressa na estima social, que é construída nas relações sociais quando o sujeito se sente valorizado pelos outros por sua forma de viver, por suas capacidades, por suas particularidades, realizações e possibilidades de contribuir para construção de novos modos de relações sociais. Expressa a necessidade das pessoas de serem consideradas em sua subjetividade, sabendo-se únicas e sendo respeitadas por isso. E também terem suas histórias coletivas respeitadas, sendo defensoras de relações que reparem injustiças sociais historicamente vividas.

No trabalho social, essa dimensão está associada às ações que buscam criar relações de respeito e admiração das diferenças entre os sujeitos na perspectiva de combater preconceitos, discriminações e apartações territoriais. Criar condições para que as pessoas sejam respeitadas nos seus modos de viver é uma estratégia nessa direção. São muitas as relações que podem produzir esse vínculo de proteção: relações de vizinhança, com frequentadores de espaço de lazer e cultura, nas diversas formas de associações, em movimentos sociais, nas relações de trabalho.

As relações nos territórios se inserem nessa modalidade de vínculos. Os territórios são produto histórico da interação do meio físico humano e não humano (ambiente) em que a trama das relações cotidianas, seus modos de vida, suas condições de moradia, urbanização e infraestrutura urbana (energia, saneamento, acessibilidade) compõem o cenário e a história ali vivida. Histórias de injustiças e também de lutas e resistências. Assim, conhecer e valorizar estes aspectos são uma etapa fundamental do trabalho profissional para que seja possível fortalecer relações que protegem, por meio de parcerias com as já existentes e criação de novas experiências.

Por isso, traduzir as vulnerabilidades características de cada território em demandas de proteção social do SUAS requer conhecer os impactos dessas vulnerabilidades nos modos de relação desses cidadãos em suas famílias, entre seus vizinhos, nos serviços públicos e com demais atores que fazem parte da dinâmica desses territórios. Dimensionar os elementos desta trama implica perguntas como: Como esse lugar foi constituído? Qual sua história? De que forma a infraestrutura urbana fragiliza vínculos de proteção nos territórios? Como manifestações de preconceito isolam e apartam determinados grupos sociais nos territórios? E também perguntas como: Quais são os lugares de pertença no território? Quais vínculos são valorizados por quem vive ali? Quais vínculos protegem as pessoas que vivem? Onde as pessoas gostam de estar? O que elas querem que mude no território e o que elas desejam que permaneça? Com quais instituições ou grupos, as pessoas contam em momentos de sofrimento? Quem as socorre? Como as demais políticas públicas territorializadas atuam nesse território? O que elas sabem e com quem se parceirizam?

As perguntas sobre relações, permitem reconhece-las, o que favorece que se desenvolva outros tipos de estudos, outras cartografias e se reconheça outras forças em movimento no cotidiano das cidades.

Alguns exemplos do impacto que tais ações trazem, já estão previstas na Tipificação Nacional dos Serviços, ao afirmar que dentre os resultados esperados dos serviços estão:

Vivenciar experiências que possibilitem meios e oportunidades de conhecer o território e (re) significá-lo, de acordo com seus recursos e potencialidades; Ter respeitados os seus direitos de opinião e decisão; Vivenciar experiências que oportunize relacionar-se e conviver em grupo, administrar conflitos por meio do diálogo, compartilhando modos não violentos de pensar, agir e atuar; Fortalecer vínculos comunitários e de pertencimento. (BRASIL, 2009).

Vínculos de cidadania: ressignificando relações com serviços públicos[8]

Outra tipologia de relações são aquelas associadas aos vínculos de cidadania e que produzem nas pessoas o sentimento de autorrespeito, decorrente da sensação de se sentir tratado em condição de igualdade nos serviços públicos. Os direitos são uma construção histórica, ao declará-los e implantar serviços especializados, o Estado produz uma valorização que se expressa no acesso a bens e na atenção profissionalizada. A experiência de ser tratado com respeito e dignidade por agentes públicos é a certeza de que se é portador de um direito, o que exige nas relações cotidianas e nos serviços, formas de relação assentadas nesses princípios. Assim, os modos de acolhimento adotados nos serviços e as formas que se estabelecem relações entre cidadãos/ãs e profissionais permitem identificar se esses vínculos estão sendo estabelecidos ou não.

Os diálogos sobre a humanização da atenção em serviços públicos, são bastante profícuos e necessários para o fortalecimento dessa linha de intervenção no trabalho profissional. A intervenção isenta de julgamentos, pautada em valores republicanos e não individuais dos profissionais, a intervenção amoral e a profissionalização das estratégias de escuta para preservar a perspectiva das pessoas nos processos de trabalho, são algumas das discussões em curso nas diferentes políticas públicas e que, precisam ganhar maior relevo, também no SUAS. Temos dialogado sobre a necessidade de maior aproximação entre profissionais e usuárias/os dos serviços, um maior conhecimento sobre as reais condições em que vivem e a presença profissionalizada para apoio em momentos de sofrimento, podem estreitar esse vínculo.

Disso decorre, muitos debates [e às vezes embates] conceituais, sobre a construção de referência nos serviços, atuação de equipes de forma mais articulada, diálogos com compartilhamento de responsabilidades entre os serviços e, principalmente, sobre a necessária e urgente ampliação da participação de usuárias nos serviços e nas decisões que são tomadas sobre suas vidas e de suas famílias. Enfim, uma série de medidas de qualificação da atuação profissional em serviços. Nossa escolha, nesse momento é focar na qualidade da relação direta com usuárias e usuários, numa direção de que só se acolhe profissionalmente se houver abertura e respeito pelas pessoas.

No âmbito do SUS, Emerson Merhy (2004) aponta que esse processo de acolhimento profissionalizado possui três dimensões: a ética que requer reconhecer o outro a partir de suas demandas e de acolher suas diferenças, suas dores, suas alegrias e modos de viver, sentir e estar na vida, a dimensão estética que implica na criação de novas estratégias para acessar o humano do outro e de si próprio e, por fim, a dimensão política que implica no compromisso de “estar com”, produzindo encontros e potência de vida em todas as relações.

Desse modo, a construção de vínculos e de referência de proteção nos serviços também impacta nas perguntas orientadoras e mobilizadoras da intervenção profissional, nos saberes que profissionais acessam e desenvolvem na pesquisa sobre a realidade vivida e ainda, nas leituras sobre os rebatimentos das macro decisões políticas e econômicas no cotidiano vivido pelas pessoas, a valorização da vida em sua dinâmica cotidiana precisa ganhar outra densidade no debate para que os conteúdos mobilizados pelo trabalho profissional estejam mais próximos da vida pulsando em suas contradições e em sua potência.

O trabalho com famílias requer considerar algumas dimensões estratégicas: Olhar o sofrimento da família e não a família como incapaz; potencializar as pessoas para combater o que causa o sofrimento e não ajudar as pessoas a se sentirem um pouco melhor como estão; considerar o que torna os sujeitos como livres ou como escravos e fortalecer relações democráticas e respeitosas; perguntar pela afetividade que une a família gerada, ao invés de analisar a influência da estrutura familiar e, por fim, combater desqualificações das famílias e dos seus membros. (BRASIL, 2013 c).

No âmbito da Tipificação Nacional resultados associados a vínculos de cidadania, preveem, dentre outras aquisições para usuários e usuárias: o acolhimento em condições de dignidade em ambiente favorecedor da expressão e do diálogo, ter acesso a serviços conforme sua necessidade, ter oportunidade de alcançar autonomia, independência e condições de bem estar; ter oportunidades de escolha e tomada de decisão; experimentar possibilidades de avaliar as atenções recebidas, expressar opiniões e participar na construção de regras e definição de responsabilidades (BRASIL, 2009).

Vínculos afetivos: construindo oportunidades de viver relações amorosas

Na teoria do reconhecimento de Axel Honneth, a segurança dos indivíduos de que têm um valor único para as pessoas amadas é sintetizada no sentimento de autoconfiança. Para ele, não se trata de dependência do afeto do outro, mas sim do reconhecimento recíproco de mútua importância da qual decorrerá uma dedicação amorosa de ambos. Essa certeza é chave para o desenvolvimento da identidade do indivíduo em todas as suas outras relações.

No trabalho social no SUAS, há maior concentração do debate nos vínculos afetivos familiares do que nos vínculos territoriais e vínculos com os serviços. As situações de violência intrafamiliar, conflito e de abandono têm tido maior atenção na intervenção profissional.

Mas esse trabalho vem sendo fortemente cercado de críticas que se referem, dentre outras questões, ao risco de familismo(MIOTO; CAMPOS, 2015), à elevada responsabilização de mulheres nos cuidados domésticos, ou ainda as críticas a condutas abusivas que invadem a privacidade de famílias ou retiram o poder familiar nos cuidados infantis, a partir de concepções preconceituosas e moralistas de família. As críticas referem-se também à situação de abandono e desproteção em que se encontram mulheres vítimas de violência de seus companheiros, famílias com pessoas em situação de dependência química ou ainda famílias em situação de discriminação decorrente de raça, credo ou movimentos migratórios.

O diálogo sobre o trabalho social com famílias é amplo, nosso foco aqui é valorizar que a proteção às famílias é um eixo fundante do SUAS e tem essa centralidade associada à lógica de que os grupos familiares protegidos, conseguem manter protegidos os seus membros. Mas também é valorizar e destacar que trabalhar com vínculos afetivos, requer uma abertura para reconhecer as relações eleitas pelas pessoas como pontos de ancoragem e de proteção, requer ofertar oportunidades de viver outras relações quando seus vínculos de afeto mais próximos não ofertam o reconhecimento que produza a autoconfiança.

E, por fim, consideramos estratégico considerar que não cabe ao serviço constranger pessoas a se amarem ou obrigar o convívio e/ou os cuidados com pessoas que já não possuem outros afetos e cuja ligação se dá somente no campo biológico[9]. A proteção relacional, acolhe pessoas isoladas, com restrição de relações e oferta a elas a oportunidade de viver relações de respeito e de valorização de suas características. O trabalho que protege cria situações em que as pessoas interagem com as diferenças culturais, intergeracionais e territoriais, para aprender a respeitar e admirar essas diferenças.

Na Tipificação Nacional de Serviços, os resultados esperados no trabalho com vínculos afetivos, estão relacionados a: ter oportunidades de superar padrões violadores de relacionamento; ter reparadas vivências de separação, rupturas e violação de direitos; contribuir para a diminuição da sobrecarga dos cuidadores advinda da prestação continuada de cuidados a pessoas com dependência; ter ampliada a capacidade protetiva da família e a superação de suas dificuldades e das situações de violação de direitos; ter acesso a experiências que possibilitem lidar de forma construtiva com potencialidades e limites e ainda, ter acesso a experiências para relacionar-se e conviver em grupo, administrar conflitos por meio do diálogo, compartilhando modos de pensar, agir e atuar coletivamente.

Para continuar a conversa

Como toda construção social, essa reflexão é datada e incompleta. E, por isso mesmo, reforça o sentido de traze-la a público e sustentar o debate em torno da potência do trabalho profissional no SUAS. De um lado, para construir mais alinhamento e convicção sobre alguns dos seus atributos entre seus próprios agentes institucionais; de outro lado, pela necessidade de dialogar, de forma mais ampla, sobre qual patamar de proteção social o cidadão deve ter ao acessar um serviço socioassistencial.

No entanto, essa reflexão tem gerado tensões, como se debater o alcance do trabalho levasse a uma culpabilização de trabalhadores do SUAS. Aqueles que vocalizam essa tensão tendem a antepor a discussão das reais e precárias condições de trabalho, como uma etapa anterior e urgente antes de se discutir propriamente o conteúdo desse trabalho. Ao enfrentar o debate, parece-nos que ainda é baixa compreensão de muitos agentes institucionais sobre a natureza do trabalho profissional em políticas públicas que é, essencialmente, coletivo e de responsabilidade compartilhada entre aqueles que trabalham diretamente com a população e aqueles que atuam nas funções de gestão.

Por isso, consideramos necessário manter em pauta a reflexão sobre os conteúdo do trabalho social no SUAS, sob pena de, ao não se discutir o trabalho ou mesmo discuti-lo exclusivamente na perspectiva das precárias condições em que ele se dá, deixarmos de refletir sobre os compromissos de proteção que ele deve traduzir para o cidadão e, por consequência, adiarmos a oportunidade de qualifica-lo. Assim, para que não reste dúvida, dialogar sobre a qualificação do trabalho não é buscar culpados por sua insuficiência atual; é buscar assumir compromissos coletivos e públicos em defesa de padrões civilizatórios de proteção social pública na sociedade brasileira.


[1] Referimo-nos aos Cadernos CapacitaSUAS, publicados pela Secretaria Nacional de Assistência Social em 2013, no âmbito do Programa Nacional de capacitação, o Capacita-SUAS. O conteúdo desses cadernos foi elaborado por pesquisadores e estudiosos reconhecidos na área e, neste caso, os debates trazidos por Aldaíza Sposati no âmbito do SUAS ganham relevo por sua atuação na autoria do Caderno 1 e do Caderno 2.

[2] Referimo-nos aos serviços que foram tipificados pelo Conselho Nacional de Assistência Social em 2009 como próprios da assistência social, vez que têm como resultado esperado as seguranças próprias do SUAS, a saber: sobrevivência, acolhida, convivência e autonomia.

[3] Medidas adotadas pelo governo federal desde 2016 sinalizam o não reconhecimento dos espaços políticos e institucionais de pactuação e deliberação do SUAS, atestando o quanto o nosso pacto coletivo e federativo sobre os compromissos de proteção da Assistência Social é ainda frágil. Além disso, tem sido desencadeadas estratégias de gestão para restringir acesso aos benefícios assistenciais, reduzir recursos para financiamento dos serviços e centros de referência, juntamente com a proposição de programas, como o Criança Feliz, que concorrem com os objetivos dos serviços e repõe a lógica de ações seletivas e de baixa exigência de profissionalização.

[4] Referimo-nos aqui a, já citada, Concepção de Convivência e Vínculos na Assistência Social, documento técnico produzido no âmbito de consultoria ao Governo Federal em 2013.

[5] Referimo-nos ao Quadro das Desproteções sociais que demandam proteção da política de assistência social, conteúdo do Caderno CapacitaSUAS, volume 2.

[6] O filósofo e sociólogo alemão Axel Honneth é considerado o principal representante contemporâneo da tradição da teoria crítica da “Escola de Frankfurt”, cuja tradição em síntese vincula-se ao desafio de assumir a tarefa de mais do que descrever a realidade, compreender o seu funcionamento à luz de uma perspectiva de emancipação apostando que essa emancipação é possível embora bloqueada pela própria organização social vigente. Reconhecido hoje como o maior representante da terceira geração de Frankfurt (NOBRE apud HONNETH, 2009).

[7] Referimo-nos aqui especialmente ao filósofo alemão Axel Honneth, mas também à construção de autores como Giovanni Saavedra, Emil Sobotka e mesmo a autoras feministas como Nancy Fraser e Iris Young que debatem a luta das mulheres pelo reconhecimento de sua dignidade e seus direitos humanos. Tais lutas, para Lívia Pereira (2013), apresentam muitos pontos comuns e similares às lutas para garantir os direitos humanos e o atendimento às necessidades humanas de pessoas com deficiência. Numa análise ampliada poder-se-ia dizer, inclusive, que a explicitação de que a autonomia é uma necessidade humana básica, como o fez Len Doyal e Ian Gough, engrossa a ideia do reconhecimento moral é também uma responsabilidade de proteção de políticas públicas.

[8] O reconhecimento como proteção no SUAS tem sido objeto de diferentes teses e dissertações, indicamos aqui a leitura de Torres (2016) que trata da convivência como proteção, mas também o trabalho de Santana (2018) sobre o reconhecimento e proteção em serviços de acolhimento.

[9] A busca de responsabilização de mulheres pelos cuidados de seus pais idosos, quando na juventude sofreram situação de abandono ou violência é um exemplo de como a reflexão sobre vínculos precisa avançar para além da consanguinidade e reconhecer as relações que são significativas para as pessoas e que elas as nomeiam como sua referência.

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