Stela Ferreira
O Cadastro Único é uma ferramenta de organização de informações para acesso aos programas sociais do governo federal e, em alguns casos, para acesso a programas estaduais e municipais. Portanto, ele é um instrumento que pode apoiar a gestão no planejamento para acesso a programas, projetos e benefícios e não aos serviços socioassistenciais.
Nas legislações do SUAS o acesso aos serviços não está condicionado ao Cadastro Único, ou seja, a/o cidadã/o tem direito a acessar os serviços independentemente de estar no Cadastro Único. O acesso aos serviços do SUAS está garantido para todos grupos e indivíduos em situações de desigualdade social que fragilizam relações afetivas, comunitárias e com serviços públicos. São essas vivências coletivas de desproteção relacional que devem ser acolhidas pelos serviços.
Os serviços do SUAS devem garantir a segurança de acolhida por meio do trabalho social, um trabalho vivo em ato (Merhy e Franco, 2009). A acolhida produz uma transformação muito significativa para cidadãos que vivem numa sociedade tão violenta e desigual como a brasileira: o reconhecimento, feito por agentes públicos, dos sofrimentos gerados pelas desigualdades de gênero, raça-etnia, renda, presença de deficiência, migração entre outros marcadores. Reconhecimento, respeito e valorização são valores simbólicos que contribuem para a produção social da vida.
Uma breve história do CadÚnico
Ele foi criado em 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso, para responder à necessidade de organizar uma base de dados com informações dos cidadãos brasileiros que acessavam diversos programas sociais à época, como Bolsa Escola, Bolsa Alimentação entre outros.
Em 2003, as diferentes bases de dados do governo federal foram unificadas para apoiar a gestão do Programa Bolsa Família, com condicionalidades nas políticas de saúde e educação.
Ao longo do tempo, outras informações foram agregadas ao CadÚnico na perspectiva de registrar marcadores relevantes para acesso às políticas sociais, como trabalho infantil, pessoa com deficiência na família, pessoa em situação de rua, entre outras.
Até 2021, o Cadastro Único era regulado por decretos federais. Em 2021, a lei federal 14.284 tornou obrigatória a inscrição no Cadastro Único para acesso aos programas sociais do governo federal que são, predominantemente, programas de transferência de renda, como o Benefício de Prestação Continuada.
Hoje, o cruzamento de diversas bases de dados federais, como Receita Federal, Previdência Social, Ministério do Trabalho e no Cadastro Único asseguram ao governo federal controle sobre as informações dos cidadãos. Pesquisa da Fiocruz (Lobato e Senna, 2020) analisa os impactos das recentes alterações da legislação na redução do acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). Saiba mais sobre a pesquisa aqui.
O CadÚnico e o SUAS
A acolhida nos serviços do SUAS não pode, jamais, ser condicionada à inscrição no Cadastro Único. Nos serviços do SUAS os processos de trabalho devem ser organizados para acolher demandas de proteção social e criar vínculos de confiança entre equipes e cidadãos usuários.
Já no CadÚnico, após um procedimento que leva, em média uma hora para cadastrar uma família de 2 ou 3 pessoas, a/o cidadã/o não sabe se terá ou não acesso aos programas sociais e transferência de renda. Para saber se foi incluído, por exemplo, no Auxílio Brasil ele tem que ligar no 0800 ou comparecer no CRAS e, muitas vezes, não obtém a resposta porque os próprios trabalhadores não têm essa informação.
Nos procedimentos do Cadastro Único não há transparência para os cidadãos, visto que os critérios de decisão, centralizada em Brasília em uma programação de algoritmos, não está ao alcance das equipes dos serviços do SUAS nos municípios. O artigo de Hernany Castro em nosso blog aprofunda esse ponto. Acesse o artigo aqui.
Desde 1993, a LOAS define que o acesso aos benefícios deve ser organicamente vinculado aos serviços. Portanto, numa interpretação otimista, o Cadastro Único poderia ser usado como uma ferramenta para que as equipes do SUAS, no processo de acompanhamento familiar, pudessem articular o acesso aos serviços (PAEFI, PETI, MSE entre outros) com os programas de transferência de renda federais e estaduais. Para chegarmos a essa articulação há muito que lutar por maior transparência e controle social sobre os critérios que embasam as decisões dos programas e benefícios associados ao CadÚnico.