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Escuta de cidadãos e cidadãs nas conferências municipais de Assistência Social

Há tempos ouvimos de trabalhadoras/es e militantes do SUAS que é um desafio garantir a participação de cidadãos e cidadãs nas conferências municipais . 

Muitos de nós têm criado estratégias para lidar com esse desafio, abrindo caminhos para enfrentar o silenciamento histórico de grupos sociais mais afetados pelas desigualdades e injustiças estruturais. 

Em 2019, a grande mobilização nacional para a realização da Conferência Nacional Democrática de Assistência Social mostrou que somos muitos e muitas! E que somos capazes de criar formatos mais vivos, potentes e menos burocráticos.

Desde 2007, nós, da Vira e Mexe, temos apoiado comissões dos conselhos, movimentos e fóruns de trabalhadores e equipes de gestão na construção de metodologias participativas nas conferências municipais.  E nesse ano não tem sido diferente.

Nesse momento da pandemia, em que as desigualdades e as injustiças sociais foram agravadas, é ainda mais fundamental que as conferências sejam realizadas porque a luta em defesa do SUAS não pode parar!

Por que é importante realizar a conferência em plena pandemia?

A resposta a essa questão é ao mesmo tempo política, ética e técnica.

A realização das conferências é um instrumento político importante, conquistado na Constituição Federal e na Lei Orgânica de Assistência Social. Ela é o momento mais ampliado que temos de participação direta de cidadãos usuários e trabalhadores para que possam avaliar como está a situação da assistência social: as conquistas, os desafios e as propostas para enfrentá-los.

Realizar a conferência em plena pandemia significa, portanto, reconhecer o compromisso político de, ao avaliar o momento presente, propor também caminhos para o futuro da Assistência Social no município. Sem essa dimensão de futuro e de luta coletiva ficamos aprisionados em denúncias sem propostas; em sentimentos de apatia e descrédito que esvaziam as possibilidades de lutas e conquistas coletivas.

A conferência é também a oportunidade de reafirmar o compromisso ético no enfrentamento das desigualdades sociais próprias de cada município e, por isso, momento de dar voz e vez aos cidadãos e cidadãs mais impactados pelas injustiças sociais: mulheres, negros, indígenas, povos tradicionais e pessoas que vivem no campo e na cidade, migrantes, população LGBTQI+, população de rua, entre outros.

Sabemos que a pandemia não atingiu todas as pessoas de forma igual: estudos mostram que os impactos negativos são maiores para as pessoas que não puderam “ficar em casa”, estando mais expostas ao contágio; as notícias diárias demonstram que a vacina não tem chegado às pessoas de forma igual e na velocidade necessária para conter o contágio; e pesquisas afirmam que as pessoas que viviam em contextos de violências estruturais (machismo, racismo, homofobia, transfobia entre outros) foram agravadas com as medidas de distanciamento físico e social. Por isso, o compromisso ético é com o princípio da equidade, ou seja, tratar de forma diferente aqueles que são mais impactados pelos efeitos sociais da pandemia.

Para guardar coerência com essas dimensões éticas e políticas, as escolhas técnicas devem buscar sempre facilitar a livre manifestação de cidadãos e cidadãs, criando espaços de escuta e diálogo deles com as equipes e deles entre si.

É importante reconhecer que os impactos negativos da pandemia não são sorte, azar ou “culpa” das pessoas, mas consequência do aprofundamento das desigualdades sociais que o Brasil já tem há muito tempo.

Portanto, metodologias ativas, participativas são escolhas técnicas essenciais nesse momento para que a voz das pessoas possa ser amplificada no processo de mobilização e na própria conferência.

Vários caminhos e escolhas de como fazer são possíveis, desde que os objetivos estejam claros. São eles:

  • Criar condições para cidadãos e cidadãs usuárias dos serviços possam dizer de suas vivências de desproteções e das resistências cotidianas nos territórios em que vivem.
  • Aproximar as equipes dos conhecimentos que usuários têm sobre a dinâmica dos territórios em que vivem, sobretudo no contexto da pandemia da covid-19;
  • Identificar redes de apoio das famílias e grupos sociais dos territórios;
  • Organizar registros para proporcionar trocas, disseminar e amplificar essas narrativas e, por fim, influenciar a redação das propostas e deliberações na conferência municipal.

Como conhecer os impactos da pandemia nas demandas específicas da Assistência Social?

A visibilidade dos impactos da pandemia nas redes de proteção pública e de apoio é o que nos dará a real dimensão das demandas que precisarão ser atendidas nos serviços da Assistência Social. Então, podemos dizer que “o grande tema e eixo” da conferência de assistência social são as relações sociais e os vínculos das pessoas que foram fragilizados ou fortalecidos durante a pandemia.

Por isso, as discussões sobre os recursos financeiros, a composição das equipes, a ampliação dos serviços tudo isso tem como ponto de partida um “diagnóstico vivo” que as conferências podem – e devem – produzir para influenciar as decisões das pessoas responsáveis pela gestão e também pelo controle social do SUAS no município. É importante ter em mente que a Assistência Social não tem que dar conta de todas as dimensões da desigualdade social vivida por cidadãos e cidadãs.

Portanto, as perguntas que devem ser feitas são aquelas que, de fato, tragam as demandas específicas dos serviços e benefícios específicos da políticas pública da Assistência Social.

Esse foco é fundamental para que o conteúdo trazido à tona possa, de fato, ser encaminhado como deliberação ao órgão gestor da Assistência Social que tem o dever e obrigação legal de atender. Demandas e conteúdos que são de outras políticas sociais podem (e devem) ser compartilhados nas conferências e conselhos respectivos, como da saúde, habitação etc.

Com essa direção é que apresentamos a seguir um conjunto de questões que facilitam dar visibilidade às demandas específicas do SUAS. As formas de perguntar precisam ser as menos burocráticas possível, ou seja, é importante criar um ambiente em que as pessoas se sintam à vontade para falar delas, seja para a equipe do serviço, seja em pequenos grupos, de até dez pessoas, visto que ainda precisamos assegurar medidas de distanciamento e não criar aglomerações. Evitem transformar essas perguntas em questionários burocráticos! Façam delas uma oportunidade de diálogo dos cidadãos com vocês e deles/delas entre si!

A pergunta orientadora das escolhas metodológicas a serem feitas no processo da conferência é simples:

Como é viver as desigualdades e injustiças sociais agravadas na pandemia do ponto de vista de quem as vivencia no cotidiano?

Essa pergunta se desdobra em três outras questões e os seus por quês:

  1. Como o coronavírus impactou você, sua família e seus amigos? Porque isso tem a ver com os vínculos que foram fragilizados.
  2. O que piorou na sua vida durante a pandemia do coronavírus? Porque isso tem a ver com os impactos no agravamento das desigualdades vividas.
  3. Com quem você pôde contar para lidar com essas dificuldades? Porque isso tem a ver com os vínculos que foram fortalecidos.

Como criar espaços de escuta?

Para criar espaços e ambientes para esse diálogo e escuta, destacamos algumas estratégias do trabalho social que estão sistematizadas na Concepção de Convivência e Fortalecimento de Vínculos do SUAS (CNAS, 2013). Elas podem ser bons “guias” para o planejamento de situações de escuta individual e em pequenos grupos, ou ainda, produzindo registros que possam ser compartilhados entre grupos de whatsapp e outras estratégias que vocês estejam utilizando.

Se o planejamento dessas situações for para escutar as pessoas no processo de mobilização e preparatório para a conferência, recomendamos que seja comunicado às pessoas que os assuntos tratados e os conhecimentos compartilhados serão aprofundados e debatidos na Conferência da Assistência Social. E, nesse caso, informar data, horário e formato da conferência.

Outra recomendação que fazemos é que a oportunidade de escuta seja também de mobilização. Assim, cabe ao final da conversa pedir que, caso as pessoas conheçam outras que estejam vivendo situações parecidas, que façam o convite para estarem na Conferência, assim, conseguiremos uma maior participação!

Instrumento de apoio às equipes para escuta de usuários e usuárias na Conferência Municipal

Produzimos um material de orientação para apoiar as equipes a fazer perguntas que estimulem que as cidadãos e cidadãs contem como tem vivido na pandemia.

Trata-se de uma referência, um ponto de partida que pode e deve ser aprimorado e adaptado aos diferentes contextos dos municípios. Acreditamos que todo instrumento de trabalho é uma ferramenta para conhecer a realidade e, ao mesmo tempo, uma intervenção nessa mesma realidade. 

Por isso, o conteúdo, a forma e a linguagem das perguntas que fazemos não são neutros. Nosso posicionamento ético se atualiza nos modos como circulamos entre os lugares de fala e de escuta, ou seja, nos fazemos entender na mesma medida em que procuramos entender o outro, o diferente de nós.

Clique aqui para acessar o material.  Leia, comente e compartilhe!

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