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Em defesa da educação permanente para consolidar direitos dos usuários

Stela Ferreira

Cientista Social (USP) e Doutora em Serviço Social (PUC-SP)

Diretora Técnica da Vira e Mexe Desenvolvimento de Equipes

Neste breve texto reúno reflexões feitas ao longo de duas décadas de experiência em pesquisas, consultorias e supervisão técnica às equipes do SUAS em vários municípios do Brasil. O objetivo é apoiar as reflexões da atividade autogestionada “10 anos de PNEP: fortalecer a Educação Permanente para fortalecer o SUAS”, no âmbito da 13ª Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em Brasília em 2023.

1. Qual a importância da Educação Permanente na agenda de consolidação do SUAS?

Toda a discussão de gestão, do trabalho social e do controle social no SUAS devem estar a serviço do compromisso ético e político que tenha centralidade no direito dos cidadãos. Essa não é uma tarefa fácil, visto que há forte tendência de defender os meios por si mesmos, forjando consensos retoricamente associados aos fins, mas sem a análise que responda à pergunta política essencial: quais mudança esses meios (financeiros, humanos e tecnológicos) farão nas formas de acesso e nas aquisições dos cidadãos nos diferentes territórios brasileiros?

A Educação Permanente no SUAS é um meio para alcançar os direitos dos cidadãos, nitidamente expresso no Decálogo dos Direitos Socioassistenciais (CNAS, 2009):

Artigo 5º: Direito do usuário à acessibilidade, qualidade e continuidade: Direito, do usuário e usuária, da rede socioassistencial, à escuta, ao acolhimento e de ser protagonista na construção de respostas dignas, claras e elucidativas, ofertadas por serviços de ação continuada, localizados próximos à sua moradia, operados por profissionais qualificados, capacitados e permanentes, em espaços com infraestrutura adequada e acessibilidade, que garantam atendimento privativo, inclusive, para os usuários com deficiência e idosos.

Como já dito, a consolidação do SUAS deve ter como parâmetro ético a centralidade do direito dos usuários. Por isso, são insuficientes as deliberações que reafirmam há anos nas Conferências que é necessário ter mais capacitação para trabalhadores. As capacitações foram insuficientes, certamente, mas o que mudou, de fato, na ação das equipes, da gestão e dos conselheiros a partir delas? É preciso avaliar isso e ir além: que mudanças queremos e vamos implementar com base em processos de Educação Permanente? Para quem? Com quais metodologias de aprendizagem?

O projeto político da educação permanente, baseado em vasta bibliografia da educação popular, é para produzir trabalhadores(as) éticos capazes de responder, coletivamente, quatro perguntas:

  • O que fazemos?  Por que fazemos desse modo?
  • O que estamos alcançando fazendo assim?
  • É possível fazer de outros modos? Quais?

2. Quais trabalhadores(as) têm direito à educação permanente?

A educação permanente, como parte da gestão do trabalho, é direito de todas as pessoas que trabalham no SUAS. Nossa legislação não deixa dúvidas quanto a quem são os(as) trabalhadores(as): servidores(as) públicos (NOB-RH/2006) e trabalhadores(as) de organizações da sociedade civil (artigo 3º e 6º da LOAS) porque é este conjunto que planeja, monitora e cria as condições para o acesso ao direito aos serviços e benefícios do SUAS.

Além disso, sabemos que cada esfera de governo tem responsabilidades diferentes e complementares para consolidar os direitos de cidadãos(ãs) à Assistência Social. Por isso, trabalhadores(as) dos municípios, estados e do governo federal têm direito à Educação Permanente. Rapidamente justifico essa afirmativa, exemplificando algumas complexidades do trabalho em cada esfera, sem esgotar a vasta agenda que temos que construir.

Nos municípios as equipes dos serviços estão desafiadas a compreender e desenvolver metodologias que articulem diferentes serviços de proteção básica e especial, haja vista o agravamento das desigualdades sociais e, sobretudo, das violências de gênero, raça-etnia no pós-pandemia.

Nos estados, as equipes técnicas têm o desafio de conhecer as desigualdades regionais tanto para ofertar apoio técnico aos municípios, quanto para produzir informações para qualificar a adoção de critérios públicos e transparentes para implantação de serviços de proteção especial e cofinanciamento de benefícios eventuais.

No governo federal, equipes do SUAS têm o desafio de contribuir para a construção de parâmetros dos custos de serviços que permitam um cofinanciamento com equidade a todos os municípios brasileiros, assim como construção de indicadores de qualidade, haja vista que os dados do Censo SUAS são insuficientes para uma avaliação qualitativa, por exemplo, dos acessos aos direitos expressos na Resolução CNAS Nº 11, de 23 de setembro de 2015.

Certamente essas afirmativas são incompletas, mas indicam que para consolidar o SUAS é necessário um esforço estratégico na produção de uma inteligência coletiva, capaz de nos dirigir, cada vez mais, a uma política baseada em conhecimentos e não no senso comum e no conservadorismo, infelizmente, atualizados nas práticas de gestores(as) e trabalhadores(as) do SUAS nas três esferas de governo.

3. Afinal, qual Educação Permanente é mais condizente com o “DNA” do SUAS?

É preciso coragem para enfrentar o óbvio: nem todos que dizem defender o SUAS estão falando o mesmo conteúdo e a mesma direção ética. Expor os porquês das escolhas técnicas e políticas fortalece a construção democrática do SUAS porque nos dá oportunidade de explicitar projetos em disputa no cotidiano para construir argumentos e propostas que enfrentem os conservadorismos e a violência institucional.

Os processos de Educação Permanente são potentes para esse campo de construção de argumentos em defesa dos direitos dos(as) cidadãos(ãs) que acessam o SUAS.

Queremos uma Educação Permanente condizente com o SUAS que queremos consolidar. Para isso, ela precisa ter as seguintes características:

  1. Reconhecer os saberes construídos pelas equipes no seu fazer cotidiano.
  2. Tornar coletivos os problemas e os desafios do trabalho e não repetir o equívoco neoliberal das redes sociais de que “cada um cuidando do seu vai dar tudo certo”.
  3. Valorizar a inteligência e a capacidade de reflexão de todos(as) os trabalhadores(as), independente dos seus títulos acadêmicos, propondo estudos e sistematização de conhecimentos que respondam aos desafios na sua realidade histórica, cultural e política.
  4. Fortalecer a capacidade de criação e construção coletiva de propostas possíveis, que consideram a diversidade social, cultural e política dos territórios onde se vive e trabalha.

Referências

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Conselho Nacional de Assistência Social. Resolução CNAS Nº 11, de 23 de setembro de 2015.

_______. Política Nacional de Educação Permanente do SUAS. MDS/CNAS: Brasília, 2013.

FERREIRA, Stela da Silva. NOB RH-SUAS: anotada e comentada. MDS/ SNAS: Brasília, 2013.

_____________________. Educação Permanente: diálogo comprometido com a direção ética do SUAS. In: Gestão do Trabalho e Educação Permanente do SUAS em pauta. MDS/ SNAS: Brasília, 2013.

FERREIRA, Stela da Silva e TORRES, Abigail Silvestre. Participação como foco de aprendizagem na educação permanente no Sistema Único de Assistência Social. Serviço Social em Revista: Londrina, v. 20, n.1, p. 215‐232, JUL./DEZ. 2017.

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