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Balanço das conferências municipais 2023

Após participar de quase 20 conferências municipais em cidades de portes distintos no sudeste e nordeste do país, reafirmamos nossa percepção sobre a urgência de mudanças nos rituais dos espaços de participação no SUAS.

Essa pauta para nós, da Vira e Mexe, é bem antiga. Há anos temos estimulado as equipes a criar e produzir espaços preparatórios de conferências utilizando linguagem acessível e assegurando o predomínio de fala de cidadãs e cidadãos em detrimento de fala de autoridades e de técnicos/as.

Sobretudo, fazendo boas perguntas que permitam a narrativa do cotidiano em suas dores e resistências, propiciando que o debate central das conferências seja pautado pela escuta e avaliação dos serviços e das demandas e propostas das pessoas para quem os serviços foram propostos.

Estamos longe dessa vivência. Há reuniões, encontros e congressos voltados a gestores/as e trabalhadores/as, nos quais se analisa o financiamento, as relações intergovernamentais, as articulações com outras políticas públicas e entre os serviços do SUAS, os desafios da profissionalização das equipes e a relação com organizações sociais.

São múltiplos espaços em que são analisados os desafios da gestão, nem sempre associando à ampliação de acesso a direitos de usuários e usuárias. Esses debates são necessários, dada a complexidade do Sistema e é fundamental circular conhecimento e trocar experiências para fazer avançar a gestão do SUAS. Portanto, utilizar os espaços de conferência exclusivamente para debater temas de gestão é um desperdício, uma vez que as conferências são o espaço privilegiado de participação popular.

Conferência é o lugar de escuta do cidadão e da cidadã para aperfeiçoar o SUAS e monitorar sua execução.

É imprescindível ouvir como a proteção chega até as pessoas e, neste pós pandemia, quais são os impactos cotidianos de resistir e sobreviver a uma das maiores crises sanitária, econômica e social que o país viveu e ainda vive.

Como afirma a socióloga Vera Telles, quando a cena pública é ocupada por cidadãs e cidadãos na condição de sujeitos falantes, sua presença “desestabiliza consensos estabelecidos e permite alargar o “mundo comum”, fazendo circular na cena pública outras referências, outros valores e outras realidades, que antes ficavam ocultados ou então eram considerados irrelevantes e desimportantes para a vida em sociedade” (Cenpec. Muitos lugares para aprender)

E foi assim que, nós da Vira e Mexe, em todas as conferências que estivemos e pudemos ocupar o lugar privilegiado de falas de abertura, buscamos estimular que cidadãs e cidadãos compreendessem que o SUAS é um reconhecimento de que suas vivências e dores cotidianas, são resultantes de injustiças, da desigualdade perversa e da nossa incapacidade histórica como sociedade de produzir relações civilizatórias de respeito à todas as vidas, porque todas importam.

E quando transferimos o microfone para a plateia foi possível escutar depoimentos que comprovam o longo caminho que ainda temos que percorrer para transformar essa realidade e escutar melhor os usuários e usuárias nas conferências.


“Na Assistência Social tem muita fala difícil. A gente não entende o que está sendo falado.”
“Não adianta dar papel para escrever proposta porque eu não sei ler.”
“Não estou entendendo essa história de artigo, inciso, estou com a minha proposta pronta e quero falar dela.”
“Viemos aqui para falar.”
“Não divulgam onde é o serviço e quem eles têm que atender, então a gente não pode reclamar se não foi atendido.”
“Aqui está a equipe que trabalha com a gente, nós ensinamos elas a trabalhar, porque quem trabalha com índio precisa aprender como nós somos”,
“As pessoas julgam a gente sem saber como é difícil a vida que temos. Às vezes a pessoa chega exaltada porque está cansada. Trabalho desde os 13 anos, sou mãe de 6 filhos, e eu tinha TV, viu? Só quero oportunidade.”
“Só podemos pegar uma cesta de três em três meses, então, quem precisa morre de fome mesmo.”
“ A nossa vila de palafitas está abandonada. Tem 35 anos que moro lá. São 35 anos que estamos abandonados e esquecidos”
“Pra nóis tudo é luta”
“Fui abandonada duas vezes na vida, pela minha família e depois adolescente pela minha família adotiva, porque sou lésbica masculinizada. E é por essa minha história e também porque sou mãe adotiva que sou protegida no SUAS e mereço essa proteção.”

Ao término dessa jornada das conferências municipais 2023, estamos ainda mais convencidas de que precisamos nos desestabilizar pela fala das pessoas na cena pública. Registramos aqui nossa gratidão a cidadãs e cidadãos que nos acolheram ao dizer que se sentiram representados em nosso discurso, gratidão também às equipes que ousaram criar espaços de diálogos mais horizontais e que enfrentaram tradições para favorecer que as pessoas sentissem que sua fala importa, sua dor importa, porque sua vida e sua resistência importa.

O SUAS que queremos só será possível pela nossa ousadia e coragem coletiva de mudar o eixo da conversa e da ação de modo que o foco central seja o direito à proteção.

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